ENTREVISTA: DEPUTADO VICENTE CÂNDIDO

Existem hoje 27 projetos de lei sobre ações afirmativas à espera de votação na Assembleia Legislativa. Um deles é o Estatuto da Igualdade Racial, criado pelo deputado estadual Vicente Cândido (PT). Com o propósito de combater a discriminação, o Estatuto, entre outras ações, propõe cotas de 35% para afro-descendentes em concursos públicos e em vestibulares de universidades públicas paulistas, além da criação do Selo de Promoção da Igualdade Racial, que será concedido às empresas que apoiam a luta contra o racismo (conheça mais sobre o Estatuto Estadual da Igualdade Racial clicando aqui).

O Vox foi até a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo conversar com o deputado Vicente Cândido, bem no dia do seu aniversário. Confira.

Como tem sido a campanha de apresentação de O Estatuto Estadual da Igualdade Racial e qual é a possibilidade de ele ser aprovado na Câmara dos Deputados?

Vicente

Fizemos debates e audiências públicas para sensibilizar tanto o Parlamento quanto a sociedade. Acho que essa etapa nós vencemos. O Brasil nunca debateu tanto essa questão como nos últimos anos. Dizer que isso é suficiente para aprovar um estatuto dessa natureza na Assembléia Legislativa. Eu não consigo afirmar com certeza, até porque há líderes que apresentam restrições e reiteram isso toda vez que se levanta a possibilidade de votação. Acabei de sair de uma reunião no Colégio de Líderes, e a votação para o projeto de cotas e de promoção da igualdade racial deve acontecer até 25 de novembro.

Seu projeto prevê que 35% das vagas nas universidades públicas estaduais devem ser destinadas a afro-descendentes. Os opositores das cotas argumentam que esse sistema acaba usando um método racista. Como o senhor rebate esse discurso?

O maior argumento é a leitura da realidade. É só você olhar para os gerentes de empresas, para os diretores e presidentes de grandes corporações, para os parlamentares, secretários executivos, prefeitos, governadores, que você vai perceber que a sociedade brasileira vai se “embranquecendo”. Essa é realidade crua e nua. Nós somos “treinados” a pensar que não existe racismo no Brasil, que não há conflito étnico, mas o racismo existe e é velado. É um racismo institucional. Numa sociedade em que a mulher negra ganha até 60% do salário da mulher branca, em que o trabalhador negro ganha menos que o branco, só pode haver racismo.

O número de negros em novelas, telejornais, programas de televisão, filmes ou vídeos publicitários é muito desproporcional à população afro-descendente brasileira. Os aparelhos culturais e midiáticos adotam uma postura racista?

Muito racista e muito estúpida, também. As empresas de propaganda, os meios de comunicação, os marketeiros das empresas chegam a ser estúpidos com essa postura, porque estão ignorando um mercado consumidor. Estão dizendo que o negro não usa xampu? Que o negro não usa sabonete? Que o negro não faz turismo, que não compra apartamento? As propagandas só mostram brancos, e isso é, no mínimo, uma burrice comercial. Tudo isso é um processo cultural enraizado, e nós temos que criar novos paradigmas para combater esse problema. O Estatuto da Igualdade Racial trata desse assunto, sobre as cotas para campanhas publicitárias do serviço público e do privado. Acho muito agressivo para a comunidade negra assistir televisão o dia inteiro e só ver brancos representando brasileiros nos meios de comunicação.

Nas escolas, conhecemos a história da Grécia e de Roma, estudamos os europeus na Idade Média, a Guerra Fria etc., no entanto, a cultura africana, que tem enorme relevância na História brasileira, em nossos costumes e em nossa língua, é praticamente ignorada nas escolas e universidades. Essa postura do Estado não contribui para a desqualificação da cultura africana e para o racismo?

Sem dúvida. E isso não é ingenuidade, não é “sem querer”. Por isso, é um racismo institucional, pois tira-se o assunto da pauta, do debate, e, quando há um debate, ele é enviesado. Hoje um pouco menos, mas o Brasil tem medo de discutir temas dessa natureza, tem gente que não quer nem saber, porque o assunto é “indigesto”, porque incomoda. Incomoda o branco, o status quo, as direções de governos e empresas. Ninguém fica horrorizado que a USP tenha apenas 2% de alunos negros. Já fui participar de um debate num curso de Direito da Unesp em que, dos 500 alunos, três eram negros. Essa situação tem que começar a indignar as pessoas, fazê-las reparar nisso. A exclusão e a opressão acontecem na falta de acesso ao conhecimento, ao saber. Porque, se colocarmos o filho do branco e do negro, do rico e do pobre, no mesmo nível de ensino, o filho do pobre e do negro vai disputar qualquer espaço no mercado de trabalho, na política e por aí afora. Por isso, há um racismo planejado, programado.

Pouca gente sabe, mas há uma lei que obriga a inclusão do estudo da História da África no currículo escolar.

A Lei 10.639/2003 foi uma das primeiras que o Lula aprovou, e é um grande avanço. Aqui, no estado de São Paulo, essa lei encontra muita rejeição. Eu sugiro às entidades do movimento negro que acionem na Justiça os prefeitos e governadores que se negarem a implementar essa lei, que é fundamental para a democracia racial no Brasil. O período de adaptação, de estudo, de treinamento e de formação de professores já aconteceu; o caminho é a fiscalização e a cobrança para que a Lei10.639/2003 seja implementada na íntegra.

Que outros caminhos podem ajudar no combate ao racismo?

As Câmaras municipais deveriam se debruçar um pouco mais sobre o assunto. Na Câmara, podem-se instituir, por exemplo, cotas para serviços públicos; podem-se instituir bolsas de estudos para alunos negros, pagas pelas prefeituras, para formação de doutores e pesquisadores. O Parlamento precisa assumir mais suas competências constitucionais. Mas acho que estamos avançando.

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Redação: Leonardo Vinícius Jorge - Design: Brasil Multimídia
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