Premiado com o Nobel de Literatura, o português José Saramago mostrou em seu livro Ensaio sobre a cegueira que “ver” e “enxergar” são coisas bem diferentes. Considerado “infilmável” pelo próprio autor e por milhares de admiradores da obra, o livro era o objeto de desejo de Fernando Meirelles, diretor de Cidade de Deus e O jardineiro fiel (filmes também baseados em literatura).
Com um elenco estelar – Julianne Moore, Danny Glover, Gael García Bernal, Mark Ruffalo e Alice Braga – e o apoio dos parceiros César Charlone e Daniel Rezende (fotografia e montagem, respectivamente), Meirelles superou as barreiras da adaptação para o cinema e entregou uma pequena obra-prima.
Uma cidade é contagiada por uma cegueira inexplicável, fazendo as pessoas enxergarem apenas branco. Na tentativa de conter a epidemia, o governo trancafia os cegos em um manicômio e, lá, através dos olhos da personagem de Julianne Moore, única pessoa a enxergar, somos apresentados à decadência da sociedade. A metáfora de Saramago sobre a perda da visão mostra como as pessoas vão abandonando sua humanidade, situação que alcança o clímax nas tão polêmicas cenas dos estupros coletivos. Graças aos “desenquadramentos” e ao excesso de branco na tela – criado por Charlone –, a cegueira branca pode ser sentida pelo espectador na sala de cinema. Assista! (E leia!)“As notícias de variedades consistem nessa espécie elementar, rudimentar, da informação (...) porque ocupa tempo, tempo que poderia ser empregado para dizer outras coisas. Ora, o tempo é algo extremamente raro na televisão. E se minutos tão preciosos são empregados para dizer coisas tão fúteis, é que essas coisas tão fúteis são de fato muito importantes na medida em que ocultam coisas preciosas”. De forma rápida e direta, como um soco no estômago, Pierre Bourdieu apresenta com poucas palavras algumas verdades sobre o maior veículo de informação de nosso tempo: a televisão. É interessante perceber que, embora a análise do sociólogo contemple veículos televisivos franceses, fica evidente o paralelo com a nossa realidade.
Ao colocar o jornalismo como grande alvo de suas críticas, Bourdieu menciona situações atuais e questiona a verdadeira importância de alguns eventos, como as Olimpíadas (exemplo recente: enquanto jornais impressos e programas de televisão ficavam “boquiabertos” com a atuação do nadador Michael Phelps, a Ossétia do Sul e a Rússia entravam em conflito com a Geórgia, deixando milhares de civis mortos). Bourdieu resume, mais uma vez: “Ora, ao insistir nas variedades, preenchendo esse tempo raro com o vazio, com nada ou quase nada, afastam-se as informações pertinentes que deveria possuir o cidadão para exercer seus direitos democráticos”. Plim-plim! Leia!
Em forma de desenho animado, com traço do cartunista Allan Sieber, a abertura do documentário Sou feia mas tô na moda, sobre o funk carioca, apresenta uma imagem simbólica: um casal lindo e loiro curte a vida na praia quando aparece uma máquina sonora em forma de “popozuda”, invade a areia e o esmaga. Uma ilustração bem vívida da força que alcançou o fenômeno musical analisado pela diretora Denise Garcia.
Passando sua câmera rapidamente pela influência do Miami Bass, dos anos 1980, e pelos polêmicos bailes Lado A / Lado B – em que jovens se dividiam em grupos para trocarem socos –, Denise põe em foco os protagonistas da cena atual (DJ Marlboro, Tati Quebra-Barraco e Deise da Injeção, entre outros) e investiga como o funk usou a sensualidade para sair da decadência em que se encontrava. Através das letras sexualmente explícitas cantadas por mulheres, por exemplo, descobre-se uma reafirmação do feminismo, com a qual as garotas do subúrbio deixam de ser objetos sexuais, abandonam a submissão em que se encontravam e impõem sua posição social.
E, antes que as bandeiras moralistas se levantem contra as letras e danças apelativas, os músicos e moradores dos morros cariocas criticam a hipocrisia da sociedade, que aceita as novelas com sexo em horário nobre e o Carnaval para exportação, com dançarinas nuas em carros alegóricos. Mas o documentário acerta mesmo em cheio quando um dos entrevistados lembra que a juventude que hoje canta e dança o funk era a criança que assistia ao Faustão apresentar, em seu programa dominical, os concursos de loira e morena do Tchan!, e aprendeu a ralar na boquinha da garrafa... Reflita!Av. Ermano Marchetti, 576 (Lapa), R. São Benedito, 245 (Sto. Amaro), R. Sabbado D’Angelo, 2040 (Itaquera) – São Paulo (SP) – Telefone : (11) 2145-7654
Redação: Leonardo Vinícius Jorge - Design: Brasil Multimídia
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