Carlos Alberto Libânio Christo, o frei Betto, tem uma história e tanto para contar. Aos 25 anos já lutava contra a ditadura militar, apoiando o movimento estudantil. Ficou preso por quatro anos, apesar de ter sido condenado a apenas dois. Sofreu torturas para entregar informações sobre colegas do partido de esquerda. Perdeu o amigo frei Tito, que se suicidou por não agüentar as seqüelas da barbárie que sofreu em tortura. No primeiro ano do governo Lula, foi um dos organizadores do Fome Zero, mas deixou o cargo por discordar dos caminhos que o programa estava seguindo.
Socialista convicto, frei Betto critica o neoliberalismo, que, segundo ele, tem como função alienar a juventude: “ele quer o jovem preocupado em mudar de cabelo ou roupa, não de sociedade ou sistema”, disse em entrevista ao Vox. No dia 03 de outubro, frei Betto deu uma palestra na unidade Lapa do Cursinho da Poli, e os alunos puderam conhecer um pouco da história da ditadura pelas palavras de alguém que viveu intensamente esse período obscuro de nossa história. Além disso, com a exibição do filme Batismo de sangue, adaptado do livro homônimo de sua autoria, pudemos conhecer um pouco da vida de frei Betto e das lutas dos frades dominicanos contra a repressão.
O cinema nacional tem abordado com freqüência o período da ditadura no Brasil (Batismo de Sangue, O ano que meus pais saíram de férias, Zuzu Angel, entre outros). O governo lançou recentemente um relatório no qual responsabiliza as Forças Armadas pela morte e o desaparecimento de centenas de pessoas. Para a democracia brasileira, qual a importância de esse assunto ser lembrado pela população?
Quando se faz memória de tempos de atrocidades, evita-se que se repitam. O Brasil, sobretudo as novas gerações, têm o direito de conhecer a verdadeira história do período da ditadura militar (1964-1985) para que jamais ele retorne. É preciso que o governo abra os arquivos das Forças Armadas, como ocorreu no Chile, na Argentina e no Uruguai. É o que a arte brasileira tem feito, sobretudo através do cinema. É importante que, na universidade, se pesquise sobre aquele período, considerando que ainda estão vivos muitos sobreviventes da resistência ao regime militar. Procurei dar a minha contribuição com os livros Cartas da prisão (1971), Das Catacumbas (1969-1971), O Dia de Ângelo (1987) e Batismo de Sangue (14ª edição – 2006).
Como foi estar no cárcere e transformá-lo em um ambiente de solidariedade e humanização?
Foi nossa maneira de resistir, pois a prisão destrói ou engrandece o ser humano. Quem se deixa impressionar pela imaginação e conta passar o tempo sofre mais do que aqueles que fazem do cárcere uma oficina de estudos, reflexão, artesanato e, no nosso caso, oração.
Este mês, completaram-se 15 anos do Massacre do Carandiru. Ainda há reflexos da ditadura militar no aparelho de Estado brasileiro?
É evidente. Todo o desrespeito aos direitos humanos praticado pela ditadura militar ainda persiste quando se trata de presos comuns pobres. Vide o filme Tropa de Elite. Nas delegacias, os interrogatórios são feitos à base de tortura. E é grave a impunidade que campeia, como é o caso dos massacres do Carandiru, da Candelária e de Eldorado dos Carajás.
O último grande ato político realizado pelos jovens foi a mobilização nas ruas pelo impeachment de Fernando Collor de Mello. O senhor acha que o jovem está menos politizado hoje?
Sim, o sistema neoliberal trata de evitar que os jovens se organizem e mobilizem. Ele quer o jovem preocupado em mudar de cabelo ou roupa, não de sociedade ou sistema. É preciso valorizar as organizações juvenis, sobretudo grêmios escolares, associações, ONGs etc. Lamento que a juventude não tenha ido para as ruas e repetido com Renan Calheiros o que fez com a cria dele: Collor de Mello.
Temos visto na mídia a situação de Mianmar, na Ásia, que vive sob uma ditadura há mais de 45 anos. Como deve se comportar a comunidade internacional, deve interferir ou permitir que países vivam sob ditaduras?
Devemos protestar, como se fez na Europa, nos anos 70, em relação à ditadura militar brasileira, bem como as outras que existiam na América Latina. Governo é que nem feijão: só funciona na panela de pressão.
Países como o Brasil, que já passaram por situações de forte repressão, deveriam tomar partido nessa luta política?
Claro, o Brasil se desmoraliza mantendo relações diplomáticas e comerciais com ditaduras como a de Mianmar.
Os protestos em Mianmar foram liderados por monges budistas, que são a grande maioria nessa região asiática. No Oriente Médio, muitos são os líderes religiosos islâmicos que governam. Como a religião tem conseguido espaço político no mundo atual?
A religião é sempre um fenômeno político. Nós, cristãos, somos discípulos de um prisioneiro político. Jesus não morreu de hepatite na cama, nem de desastre nas ruas de Jerusalém. Morreu sob dois processos políticos. Política não se faz apenas através de partidos e funções públicas.
O senhor foi assessor especial do presidente Lula e coordenador da Mobilização Social para o programa Fome Zero. Como foi essa experiência no governo?
Sobre ela publiquei dois livros pela Rocco: A mosca azul – uma reflexão sobre o poder, no qual dialogo com autores clássicos que se interessaram pelo poder, como Aristóteles, Maquiavel, Max Weber e outros, e Calendário do Poder, meu diário de dois anos no Palácio do Planalto. A experiência foi positiva em muitos aspectos, como na formatação do Fome Zero, e decepcionante em outros, como presenciar o modo como o governo desfigurou, em 2004, o programa de combate à fome. Mas continuo convencido de que o Brasil e a América Latina são melhores com Lula do que sem Lula.
O catolicismo tem perdido espaço para outras religiões no Brasil, que é o maior país católico do mundo. Posicionamentos conservadores, como a proibição do uso de preservativos, costumam afastar os jovens do catolicismo. Não seria hora de o Vaticano se adequar aos novos tempos e rever alguns dogmas?
Seria, sobretudo no que diz respeito à moral sexual e à participação de homens e mulheres casados no sacerdócio. Mas as Comunidades Eclesiais de Base e as pastorais sociais têm oxigenado a Igreja Católica.
Conte-nos um pouco da história dos dominicanos e de seu papel no Brasil.
Nossa Ordem foi fundada no século XIII, mas só chegou ao Brasil em fins do século XIX. Sempre trabalhamos na periferia da sociedade: indígenas, movimentos estudantis, trabalhadores e desempregados, prostitutas, encarcerados etc. E vivemos de nosso próprio trabalho. Não somos mais de 100 em todo o Brasil.
Saiba o que aconteceu na palestra realizada pelo Frei no Cursinho da Poli
Av. Ermano Marchetti, 576 (Lapa), R. São Benedito, 245 (Sto. Amaro), R. Sabbado D’Angelo, 2040 (Itaquera) – São Paulo (SP) – Telefone : (11) 2145-7654
Redação: Leonardo Vinícius Jorge - Design: Brasil Multimídia
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