Como típico país subdesenvolvido, essa
situação de desigualdade tem um agravante,
a ausência do Estado para garantir um mínimo
de direitos ao cidadão. Alguns grupos, por
razões étnicas ou sociais, sofrem ainda
mais que o restante da população. Negros,
indígenas, os sem-terra, detentos e tantos
outros formam grupos sociais ainda mais privadas de
direitos.
Se é pra incluir, esses devem ser os primeiros
da fila. Foi em 2000, com a ampliação
para 8 mil vagas, que o Cursinho da
Poli conseguiu estrutura para atender algumas dessas
minorias.
Para isso, o Cursinho foi conversar com movimentos
sociais que representam e organizam esses grupos.
O trabalho começou com a Funap (Fundação
de Amparo ao Preso). “Nosso trabalho é
voltado para recriar os vínculos entre os presos
e a sociedade”, explica José Antônio
Gonçalves, supervisor de educação
da entidade.
No primeiro ano foram 18 alunos participantes do convênio.
Atualmente, são 30 detentos em regime semi-aberto
ou egressos – prisioneiros recém libertados
– que freqüentam as aulas. “Nos três
anos de convênio, não houve nenhum problema.
Eles sabem que o sucesso e a continuação
da parceria depende deles e tudo o que querem é
poder se reintegrar à sociedade”, destaca
Gonçalves.
Os alunos que vêm do convênio não
são separados de nenhum modo e assistem às
aulas como os outros. Isso foi quase uma exigência
de ambas as entidades. “Separá-los seria
criar novos estigmas e o objetivo da parceria é
integrar, não segregar”, orgulha-se o
Gonçalves.
Na mesma linha de recriação de vínculos,
está a parceria com a Febem de Pirituba. Após
dois anos de tentativas e conversas, o
convênio foi firmado em agosto de 2002 como
um piloto para o ano seguinte.
Para
ele, parcerias como esta completam a função
da instituição, que é
de reeducar aqueles jovens para reintegrá-los.
Masella conta que a rotina dos adolescentes
passa a ser toda voltada para o estudo. “Eles
têm a manhã para estudar, à
tarde vão para o Cursinho e à
noite trabalham para garantir o sustento”,
descreve. O cuidado em não rotulá-los
é o mesmo tomado com os alunos vindos
da Funap. “Para o próximo ano,
vamos aumentar o número de pessoas
cursando, não só na unidade
de Pirituba, mas em outras unidades”,
acredita.
Para completar, o Cursinho tem um convênio
desde 2001 com a Ong Camará, que trabalha
com cerca de 100 adolescentes e jovens em
situação de risco na cidade
de São Vicente. “São jovens
que têm pouquíssimas oportunidades”,
explica João Carlos da Franca, coordenador
geral da Ong. “A parceria com o Cursinho
é uma forma de ajudar os jovens que
querem fazer um curso superior”, completa. |
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“Temos
muito orgulho
da parceria, porque o
objetivo deles é claro:
permitir que os adolescentes
tenham novas perspectivas para poder esquecer
a vida
anterior”, aponta Marcio Alexandre Masella,
coordenador pedagógico da Febem de
Pirituba. |
Como a entidade é
sediada em São Vicente, o deslocamento é
um obstáculo. Para conseguir o transporte,
a Ong teve de contar com o apoio do município.
“Por conta da necessidade, tivemos de escrever
e aprovar um projeto de lei na cidade para que a prefeitura
pudesse dar transporte para esse tipo de projeto”,
lembra João Carlos. Ainda assim, a limitação
permanece, já que apenas conseguem garantir
a ida de 17 jovens para assistir às aulas aos
sábados. E o convênio não mexeu
só com os jovens que já estão
no Cursinho. “Os que ainda não completaram
o Ensino Médio começam a fazer planos
para quando estiverem lá, porque,
para eles, ter essa oportunidade acaba incentivando
o estudo e até a busca de cultura em cinemas
e teatros”, narra João Carlos.
Convênio com MST
“Os
que ainda não completaram o Ensino
Médio começam a fazer
planos para quando estiverem lá, porque
para eles ter essa oportunidade acaba incentivando
o estudo e até a busca de cultura em
cinemas e teatros”, narra João
Carlos, da Ong Camará. |
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Um dos principais
movimentos sociais do país –
considerado por alguns a principal novidade
em termos de organização popular
no mundo todo – o Movimento dos Sem-Terra
está também entre os parceiros
do Cursinho. Apesar de estar longe de resolver
o problema, a modesta reforma agrária
promovida no país produz outros problemas.
Um deles é o fato de os assentados
não terem acesso nem à tecnologia
nem aos conhecimentos técnicos necessários
para uma produção capaz de sobreviver
à concorrência dos grandes produtores.
O movimento
tem convênios com universidades e centros
de formação de dentro e fora
do país, para capacitar os assentados.
A parceria com o Cursinho da Poli veio para
ampliar, com o tempo, esse objetivo do movimento.
“Ainda estamos com dificuldades de transporte,
porque o assentamento fica distante da cidade”,
lamenta Josenilton Xavier do Amaral, um dos
líderes do movimento. “Por isso,
a saída está sendo aproveitar
parentes de assentados morando em São
Paulo e as vagas no final de semana. Estamos
divulgando o convênio em todo o Estado
e as pessoas já estão se articulando
para fazer a seleção, porque
a demanda é bem grande”, descreve.
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Josenilton conta que no
assentamento eles não precisam apenas de técnicos
em agricultura.
“Precisamos de gente de todas as áreas,
engenheiros ambientais, de agrônomos e veterinários
e também professores. Depois de formados, eles
poderão voltar para colaborar com o movimento,
voltar a suas origens e ajudar a desenvolver as regiões
pobres e afastadas”, sustenta.
Etnias
O Cursinho não se ocupa em incluir apenas um
grupo marginalizado. Índios e negros também
sofrem com a discriminação. Indígenas
originados de Pernambuco, os Pankararu migraram para
São Paulo em 1955 – acompanhando o fluxo
migratório que se estenderia até a década
de 70 –, em busca de trabalho nas indústrias
da região. Se você já está
imaginando uma aldeia no meio da cidade, saiba que
infelizmente não é bem assim.
Quase a metade das 350 famílias descendentes
daqueles pioneiros vivem na favela Real Parque, no
bairro do Morumbi, enquanto garante Frederico de Barros
Pankararu, diretor da SOS Comunidade Indígena
Pankararu. “ Os parentes que vão para
a universidade podem depois orientar a comunidade
a seguir por um caminho melhor”, explica Frederico.
A parceria começou há dois anos com
28 alunos, dos quais 22 estão fazendo PUC com
Não é à toa que o curso mais
procurado pelos indígenas é o de pedagogia.
Frederico explica: “entre 70% e 80% dos parentes
são analfabetos. E normalmente o Pankararu
fica tímido quando um não-índio
dá aula, o que não acontece se os outros
parentes estiverem ensinando”.
Mas nem sempre é possível criar todas
as condições para to os demais estão
espalhados em outras favelas da Grande São
Paulo.
“A comunidade só tem a ganhar com essa
parceria”, bolsa cedida pela universidade.
“O Cursinho da Poli foi o único a entender
nossa dor e dar abertura para nos entender”,
elogia. que um convênio firmado seja levado
adiante.
Um exemplo é a parceria coma Associação
Quilombo de Ivaporunduva. Quilombolas – ou remanescentes
de quilombos – são os descendentes dos
escravos negros que se agrupavam em quilombos para
sobreviver à perseguição dos
brancos. Eles mantém alguns dos costumes e
vivem nos mesmos locais onde seus antepassados se
instalaram.
O convênio foi firmado em 2001, porque era interessante
para as duas entidades, mas vagas disponibilizadas
não puderam ainda ser aproveitadas.
“Como nós estamos na região do
Vale do Ribeira, os custos de transporte são
muito altos e não conseguimos chegar a uma
solução”, conta Antônio
Carlos, líder dos quilombolas. “Estamos
batalhando formas de conseguir o transporte gratuitamente
para poder levar adiante essa parceria. Para nós,
seria uma oportunidade única de integração”,
torce.
O Cursinho sabe que não pode resolver o problema
de exclusão.
“Nosso papel é o de propor políticas
públicas para mostrar que dá para incluir
muita gente mesmo sem grandes recursos”, orgulha-se
Renato Rodrigues. Isso não quer dizer que o
pessoal esteja satisfeito. Dentro das limitações
de espaço e recursos, já está
em discussão a viabilização de
novas parcerias com outras entidades e associações.
“A partir dessas iniciativas, o poder público
pode tirar exemplos que deram certo e generalizar
a ação”, completa. Vem mais novidade
por aí.
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