PALESTRA – MÁRIO SÉRGIO CORTELLA
Para não nos deixar apequenar a vida, o filósofo e educador veio ao Cursinho da Poli falar sobre sonhos viáveis, educação pública e racismo velado
“Só em dois lugares as pessoas são perfeitas: nos currículos e nos cemitérios. Observem as lápides: ‘Mãe dedicada’, ‘Filho amoroso’... Não há um único canalha enterrado!”. Foi assim que o filósofo e educador Mario Sergio Cortella abriu a palestra que deu no Cursinho da Poli no dia 30 de setembro de 2009, já anunciando que a sabedoria e a reflexão que se seguiriam seriam acompanhadas de muito bom humor.
A piada veio a propósito da leitura de seu extenso currículo pelo professor Giba, quando o apresentou aos alunos, e foi complementada: “Você não conhece uma pessoa só pelo que ela fez de certo. É preciso saber o que ela fez de errado. Por exemplo, os experimentos do inventor Thomas Edison falharam 1.430 vezes antes de ele conseguir criar a lâmpada elétrica de corrente contínua. O fracasso não acontece quando se erra, mas quando se desiste.”
O tema que perpassou toda a palestra foi justamente a busca do “inédito viável”, expressão de Paulo Freire, orientador de seu doutorado (e que completaria 88 anos em setembro, se estivesse vivo). Devemos lutar por nossos sonhos e conquistar nossas utopias – lembrando que o conceito de “utopia” criado por Thomas Morus é “ainda não”, diferente de “impossível”. Cortella alertou, no entanto, que é preciso diferenciar sonho de delírio. Segundo o filósofo, o delírio é um sonho impossível – “eu, Cortella, me tornar o melhor jogador de futebol da Fifa” – , enquanto o sonho é nosso inédito viável, é algo que ainda não é, mas pode ser. “Alias, o Cursinho da Poli é um lugar para trabalharmos o inédito viável”, elogia.
Os alunos do Cursinho da Poli interessados em participar devem retirar senha na Seção de Alunos. Quem não é aluno deve se inscrever pelo site do CP ou pelo telefone (11) 2145-7654. Haverá uma sala com o palestrante e uma sala com um telão transmitindo a palestra. Os lugares serão distribuídos por ordem de chegada no evento, e as vagas são limitadas.
Qual é a tua obra?
Cortella também questionou o potencial econômico e social do Brasil, um país que tem gigantescas quantidades de terras aproveitáveis, bacias hidrográficas para geração de energia, reservas de minério e de petróleo, além de duas das maiores reservas de biodiversidade do planeta, mas que, ao mesmo tempo, abriga uma imensa desigualdade social. Portanto, nosso inédito viável é o desenvolvimento do nosso país e o alcance de uma cidadania plena; para isso, devemos aplicar nossos conhecimentos e talentos a serviço da vida coletiva.
“De nada adianta ganhar dinheiro se for só para si. Como disse Benjamin Disraeli, ‘A vida é muito curta para ser pequena’. Não sei se sabiam disso, é uma coisa muito chata, mas um dia vocês vão morrer”, ironiza o filósofo, e conclui: “Qual terá sido a sua obra, quando você se for?” Aproveitando o assunto fúnebre, Cortella comentou que prefere a cremação ao enterro, por uma questão higiênica e de espaço físico, e arrancou gargalhadas dos presentes ao revelar o slogan de sua campanha, quando foi secretário municipal de Educação de São Paulo (1991/1992): “Vem pra caixinha você também!”
VIP
Perto do fim da palestra, o filósofo VIP (segundo ele, Vindo do Interior do Paraná) alertou para o racismo velado que existe em nossa sociedade, em situações aparentemente inofensivas como, por exemplo, as embalagens de xampú, que definem qual é o tipo de cabelo “normal”, e, por consequência, qual é o “ruim”; assim como uma marca de curativo adesivo que diz que o produto é “cor de pele” – algo sem sentido num país multirracial. Cortella ainda refutou a expressão “homem de cor” utilizada para se designarem pessoas negras, inclusive porque são os brancos quem mais têm variações de cor ao longo da vida: rosa (quando nascem), vermelha (quando vão à praia), roxa (quando se machucam), amarela (quando levam um susto), verde (quando estão doentes) e cinza (quando morrem)!
Cortella concluiu sua palestra respondendo a algumas perguntas dos alunos. Explicou, por exemplo, que o senso comum não considera a Filosofia um trabalho, por ela não produzir resultados práticos, prováveis. “Quando eu disse para o meu pai que queria ser filósofo, ele perguntou ‘Por que, meu filho? O que eu fiz pra você?’”, brinca o educador, que também foi consultado por um professor de sociologia em início de carreira sobre qual é a melhor forma de avaliar os alunos numa disciplina tão maleável. Ao despedir-se, o filósofo usou um ditado popular para descrever a forma como vê a situação da educação pública no Brasil – Se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come – e sugeriu uma solução: “Se juntar, o bicho foge.”
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